Pedro Carvalho: “gostava de fazer mais cinema”
"O Pedro de lá de trás, do início, nunca se perde"
Pedro Carvalho é um jovem português, que nasceu na Guarda, cresceu no Fundão e atualmente vive em Lisboa. Formou-se na Escola de Atores para Cinema e Televisão, em Arquitetura, já com mestrado, a sua outra paixão, além de ser ator. São os seus focos, que se completam, porque vive numa contínua busca do conhecimento e perfeição.
Convidámo-lo para uma entrevista e sugeriu-nos a sua casa. Veio receber-nos à porta e perante nós surgiu um menino/homem, com um sorriso tão franco e acolhedor e uma vivacidade no olhar, que o simples ato de fazer uma entrevista formal de pergunta e resposta caiu por terra porque rapidamente percebemos que iria ser uma conversa informal de alguém que estava disposto a partilhar connosco a tarde desse dia, como se nos fosse ler um capítulo de um livro, que nos contava algo de si. E é isso que vamos fazer, transcrever-vos esse capítulo.
CAPíTULO I – Uma conversa intimista onde a magia se fundiu com a realidade
Já dentro de casa, ficámos encantados com a decoração e ainda no corredor vimos na parede um cartaz dos Morangos com Açucar e perguntámos:
Que giro, o teu cartaz dos Morangos. O que é que sentiste quando te disseram que ias fazer parte do elenco? Já era um êxito.
Ao olhar o cartaz notou-se que lhe trazia boas recordações e comentou:
– Foi uma sensação fantástica. Era tudo aquilo que os miúdos queriam fazer, era uma referência para nós jovens e atores, era uma novidade e até faltávamos à escola para ver a série. Eu nunca pensei que iria fazer parte dos Morangos com Açúcar e a oportunidade até surgiu de uma forma casual.
Tinha 18 ou 19 anos e estava na faculdade de arquitetura e a acabar a Escola de Atores a fazer o meu espetáculo final do primeiro ano, e o Adriano Luz, que era na altura o diretor artístico da NBP, hoje Plural, foi assistir e pouco tempo depois chamaram-me, através dele, para fazer uma participação na novela “Tu e Eu”, cerca de dez episódios e eu tinha umas “falinhas”.
O que aconteceu é que a minha participação no “Tu e Eu” era como um teste para verem se poderia fazer o casting para os Morangos com Açúcar, se estava preparado.
Mais tarde falei com o Adriano sobre isto, e além de o admirar como ator, hoje somos amigos e ele até já fez de meu pai numa novela. Também gosto muito da mulher dele, a Carla de Sá, que faz direção de atores e já me dirigiu numa novela que fiz.
Com um sorriso entre o feliz e o orgulho, continuou:
– Devem ter achado que estava pronto e supostamente gostaram porque me chamaram para fazer casting para os Morangos.
Fiz três castings e não passei no primeiro, nem no segundo e quando me chamaram para o terceiro questionei-me, “mas para que é que me estão a chamar outra vez?” e fui fazê-lo com aquela disposição de “está bem, eu vou”, tanto que no dia anterior até tinha sido multado, porque vinha a sair da Escola de Atores, cansado, e só queria ir para casa, na altura morava no Campo Grande e foi aí que fui apanhado por excesso de velocidade. Imaginem a conjetura daquilo tudo.
Fiz o casting, fiquei no workshop, éramos muitos, cerca de quarenta ou mais. Após o workshop, que durou 3 meses, intensivo, com vários, com a Maria Henrique, o Jorge Cardoso, fomos selecionados.
No decor iam chamando à vez para falar connosco e ver se ficávamos. O primeiro fui eu e quando me sentei o Jorge abriu a página e estavam lá as minhas fotografias e disseram-me: “vais fazer o protagonista da série de verão”.
Conforme nos ia contando toda esta mistura de sentimentos, gesticulava no sofá como se tudo estivesse a acontecer naquele momento e não pudemos deixar de sorrir, porque até nós fomos levados naquela viagem.
– Eu não escutei – continuou – é que nem ouvi mais nada e pensei meu Deus, não acredito.
Agradeci e disse que não se iam arrepender, que ia dar tudo de mim. Era muito novinho e fiquei incrédulo. Só quando cheguei a casa, dei um berro e disse: “eu não acredito, isto está a acontecer-me”.
Em parte, acho que teve muito a ver com o fato de já ter experiência na Escola de Atores, de ter alguma prática nesse sentido, isso ajudou muito. Os meus professores foram ótimos porque ajudaram muito. Eu não tinha ainda acabado a escola de atores e eles disseram-me, para fazer a série e que depois me avaliariam no espetáculo final, e foi o que aconteceu.
Enquanto nos dirigíamos para a sala ouvíamos atentamente tudo o que nos dizia, com um entusiasmo genuíno, como se o tempo tivesse parado ali e perguntámos:
Quais as recordações que te trouxe esse período da tua vida?
– No dia anterior antes de entrar na série eu era um perfeito anónimo. No dia seguinte, depois de ser o protagonista, fui precisamente ao mesmo local do dia anterior e foi como se desligasses e ligasses a luz, foi da noite para o dia, e lembro-me bem que foi muito impactante para mim. Percebi que era real, que estava a acontecer, que era reconhecido, que tinha uma responsabilidade, não pela fama, nada disso, porque não sou nada deslumbrado, foi mesmo por pensar que tudo era concreto, que tinha uma responsabilidade enorme à minha frente ainda para mais que naquela época os meus pais ainda não aceitavam muito bem o fato de eu querer ser ator. Era um peso enorme nos meus ombros e tinha mesmo de dar tudo certo. Foi na verdade um momento muito marcante para mim.
No primeiro dia de gravações estava num misto de emoções, não sabia explicar o que me estava a acontecer, estava numa mescla de gratidão, de nervosismo, de amor, de paixão, foi um dia que me marcou muito.
Agora que estás numa posição diferente, que já tens uma carreira, que já és reconhecido…
– O Pedro de lá de trás, do início, nunca se perde!
Essa experiência confirmou o teu desejo de ser ator?
Confirmou. Já tinha feito pequenas coisas em cinema e essa foi a primeira experiência em que ganhei um ordenado, que passei a ter responsabilidades fiscais, que tinha de acordar cedo todos os dias para ir fazer o meu projeto, era o meu trabalho. Demorei muito tempo a encarar a minha profissão como ocupação porque sempre fiz tudo muito pelo trazer, pelo amor, pela paixão e hoje já encaro como um trabalho, porque já seleciono muito aquilo que faço, se me identifico com o projeto avanço, caso contrário não o faço, mas continuo a não os aceitar por dinheiro. Por já ter uma carreira internacional as pessoas pensam que cobro ordenados muito altos, mas é exatamente o contrário, eu posso trabalhar aqui em Portugal e receber muito menos, desde que seja uma proposta com que me identifique, tanto em cinema como em teatro, porque a parte artística está sempre em primeiro lugar.
Apesar de já ter uma carreira de ator em Portugal e reconhecida internacionalmente, Pedro é superativo e com uma energia a atingir no mínimo os 90%, pelo que acreditamos que tenha na sua vida um plano B e perguntámos-lhe diretamente: – E um plano B, existe? Está definido na tua vida?
– Sim, posso dizer que sim, tenho um plano B. Como sou arquiteto de formação, uma paixão concretizada, embora nunca tenha exercido, montei um boutique hotel, em Lisboa, em Belém, ao lado do Museu dos Coches, um local muito estratégico e uma zona muito turística. Comprei um prédio devoluto, fiz todo o projeto de arquitetura e decoração e transformei-o num boutique hotel. É um conceito high tech, em que as pessoas recebem tudo por códigos. Eu posso estar no Brasil a gravar uma novela e faço a gestão de tudo pelo telefone, não tenho a necessidade de ter ninguém a gerir o local. A minha equipa de limpeza tem contato direto com sistema que tenho de channel manager e conseguem ver as pessoas que entram e saem, fazer as limpezas, é tudo automático. É um sistema que criei a pensar na minha vida, porque posso estar a trabalhar no Brasil, nos Estados Unidos ou em Espanha e o negócio tem de continuar a funcionar. O meu objetivo é ramificar. Agora tenho o Embaixador – Apartments&Suits que é composto de apartamentos completos e posteriormente quero um Embaixador Suites que sejam só quartos, mais um conceito de hotel.
E vai ser só em Portugal?
– Para já sim e depois vamos ver o que acontece.
Continuámos a percorrer a casa e levou-nos a outra sala e mostrou-nos as peças originais e de design que tinha, algumas até criadas por si. Calmamente sentou-se à mesa, a tomar o seu chá e descreveu-nos o significado dessas peças e a essência do boutique hotel.
– Todas as peças têm uma história, todas elas vieram de algum sítio específico ou alguém especial me ofereceu e acho que essa é a razão porque as pessoas gostam tanto da minha casa, não só pelas coisas mas sim pela força, pela essência, por tudo o que transmitem de especial. O meu apartamento no Rio de Janeiro é a mesma coisa. Quando decoro um apartamento, não importa o local, tudo tem a ver comigo desde uma peça que encontro na rua, algo que alguém me oferece, o cartaz de uma peça de teatro ou peças que compro, e por exemplo, de um poster eu posso fazer uma mesa, enfim o resultado tem tudo a ver com a minha maluquice.
E o Embaixador, onde se enquadra?
– O conceito do Embaixador é que todos os apartamentos são muito design, muito personalizados, muito estilizados muito ao estilo da minha casa, em que os elementos jogam muito uns com os outros, brinco um bocado com as cores, antagónicas umas das outras, é quase como se fosse um teatro, onde tudo é muito dramático, como se as peças falassem entre si, porque todas elas têm um significado. Os apartamentos no Embaixador seguem muito esse conceito, que quero continuar a criar, que tem muito a ver com Lisboa, com a nossa raiz lisboeta, o azulejo, o padrão e muitas artes.
Derivámos a nossa conversa para o cinema, um dos seus tópicos preferidos e mencionámos o que Charlton Heston disse ao Sunday Times em 1990: “Para ser um ator você precisa de quatro coisas: energia, concentração, muita sorte e, é claro, as boas oportunidades.” Pedimos a sua opinião sobre a esta citação, ao que respondeu de imediato, sem hesitar
– Concordo plenamente. Energia e disposição sempre, porque quer estejamos bem ou mal o show must go on, porque temos de estar sempre impecáveis, haja o que houver. A sorte é muito talento e também muito estares no momento certo na hora certa e darem-te a oportunidade de poderes brilhar e fazer algo. É pena que esses fatores por vezes não esteja todos conjugados, mas acredito que se tivermos os ingredientes necessários, a paixão e a vontade, o Cosme organiza-se para que tudo convirja entre si e as coisas aconteçam.
A conversa já estava longa, mas estávamos tão confortáveis e confortáveis com tudo o que nos rodeava, a boa disposição, o bom ambiente, que continuámos a satisfazer a nossa curiosidade. Falámos sobre o Brasil e o êxito que tinha como ator e ficámos a saber do misto de emoções que sentia sobre isso. Ouvimos atentamente tudo o que nos contou quando lhe perguntámos o que significou para ele os convites da TV Record e da Globo e como foi a reação do público brasileiro…
– Para mim foi muito bom. Estava a passar por um momento com muitas dúvidas, mesmo a trabalhar muito, mas a nível artístico estava a sentir-me bastante estagnado. Precisava de criar mais, de algo mais desafiante e não tinha necessariamente de ser no Brasil, aliás até tinha pensado mais em Espanha, mas surgiu o Brasil e não hesitei, apanhei a boleia desse comboio, o que foi um privilégio, porque trabalhei com pessoas incríveis e acho que representei bem Portugal. Os projetos que fiz foram um sucesso, sou muito acarinhado pelo público e lá já começo a ter uma carreira consolidada o que é muito bom e importante para mim. É como se fosse uma resposta: “estás no caminho certo, a fazer a coisa certa”.
Inicialmente quando me disseram que estava no projeto, porque o primeiro foi na TV Record para fazer o protagonista de uma novela de época “Escrava Mãe” que era uma pré-sequência da Escrava Isaura, onde eu ia fazer de pai, e ia trabalhar e ser visto por 230 milhões de habitantes visto que a novela também ia para a Netflix, ser protagonista…eu não tinha noção, acho que naquele mês nem raciocinei, porque não tinha a ideia se era muito conhecida, na altura não sabia nada disto e só pensei: “foi o que tu pediste ao Universo, é uma oportunidade para cresceres mais”. Quando comecei a trabalhar com a ZéZé Mota e com uma panóplia de atores que via nas novelas brasileiras é que pensei no que me estava a acontecer e aí caiu-me a ficha.
Quando fiz a primeira novela na Globo, lembro-me de estar numa cena em que contracenava com a Fernanda Montenegro e o Lima Duarte, os três numa cena, e de repente parece que tudo ficou negro à minha volta, só estávamos os três, e aí tive a noção que aquilo estava a acontecer, comigo, o que não abalou o meu sentido de responsabilidade e de fazer melhor e mais, mas sempre com os pés bem assentes na terra.
Como é que de repente te vemos a interpretar no Brasil uma personagem de Padeiro?
– Essa foi a minha terceira novela brasileira e a segunda na Globo. Esse projeto foi muito forte. Até hoje foi o que mais me preencheu e me fez mais feliz.
E cinema, alguma coisa?
– Fiz um filme agora no Brasil, o Segundo Homem, em que a minha personagem é brasileira, o que para mim foi muito bom porque já foi um salto e uma afirmação do que tenho estudado e do meu trabalho. Em Portugal acabei de fazer um filme de Ricardo Oliveira, que vai para a RTP, uma sequência de 10 filmes em que eu fiz um deles que é o “Bully”, em que sou o antagonista, que deve estrear até ao final deste ano, início do próximo. Gostava de fazer cinema, muito mais cinema.
Tencionas voltar ao Brasil ou existe algum projeto televisivo em Portugal ainda não revelado ou algum outro que te possa interessar ou para que estejas disponível?
– Tenciono voltar ao Brasil. Até ao final do ano não tenho nada programado, o que também é propositado, porque a minha estratégia sempre foi vir para Portugal fazer um projeto aqui, o que aconteceu com o Boutique Hotel, criei o negócio que está a funcionar e depois retornar ao Brasil para trabalhar. Esses são os meus planos.
Quero muito tentar o mercado em Espanha, porque sou fluente em espanhol, estudei muito tempo no Corazza, a escola de Javier Bardem e é um mercado que me interessa muito. Eu gosto de desafios que tanto podem ser em Portugal, Brasil, Espanha, Estados Unidos ou México, seja onde for. O que me interessa e é “o mais” importante é o projeto, é o personagem.
O que para ti é “o mais”? Comédia, drama, romance?
– Personagens de composição, aqueles que eu tenho mesmo de compor com características que não tenham nada a ver comigo
Ou seja, o oposto de ti?
– Sim pode ter uma coisa ou outra, mas que seja completamente o oposto de mim, que é o que mais me desafia, mergulhar na personagem e criar como se fosse um quadro, uma escultura ou uma pintura e fazer de raiz como se tivesse uma tela em branco e começasse a criar. É mesmo o que mais me desafia.
Todos os atores têm sempre um ator preferido ou que sirva de referência e a pergunta tinha de surgir: – Tens algum ator que admires em especial?
– Adoro o Marlon Brando, gosto muito do trabalho do Jake Gyllenhaal que é muito camaleónico, gosto muito de atores assim e o Al Pacino, claro. São atores de quem bebo muito as referências, que são eternas.
Diz o proverbio português que “as conversas são como as cerejas” e assim estava a acontecer com Pedro Carvalho, surgia sempre mais uma pergunta e no momento que o nosso anfitreão via na máquina as fotografias que fomos tirando, aproveitámos para fazer uma pergunta mais pessoal, inspirados numa expressão a que dá muito valor “amor e uma cabana” …e esse amor já encontraste, já construíste a cabana?
Sorriu…– Sim já encontrei esse amor e as cabanas estão a construir. Tenho esta casa e o Embaixador. Cada vez sinto mais que sou um homem do mundo, não sou pessoa de ficar só num sítio. Cada vez gosto mais de regressar a Portugal e fazer um trabalho e voltar ao Brasil, sou muito cigano e monto cabanas pelo mundo inteiro
E o futuro, o que esperas que te traga?
– O meu maior desejo para o futuro é ser feliz e ter saúde, o mesmo que desejo para os meus e quando falo de saúde é física, mental e espiritual. Quero continuar a trabalhar naquilo que gosto, a fazer projetos que me desafiem enquanto ator, ser humano, homem e individuo e a fazê-los da forma mais genuína e artística possível.
Estávamos prestes a fechar o nosso Capítulo, mas ainda quisemos saber mais …
E por falares em “artística” não sabes nada sobre uma carta exposição?
– Ah sim. Eu pinto e desenho e finalmente convenceram-me a fazer uma exposição, que espero aconteça até ao fim do ano e será uma maneira de conhecerem uma vertente minha que muitas pessoas não sabem existir, que só agora revelei, que é a pintura e a arte, que tem muito a ver comigo desde que me lembro de ser gente.
A nossa visita já ia longa. Despedimo-nos e já na escada em tom de brincadeira, não resistimos a perguntar: – Ainda continuas a acreditar no Pai Natal?
– Acredito que existam por aí muitos Pai Natal disfarçados e acho que a magia do Natal tem a ver com isso, com essas pessoas que sem saberes ou esperares fazem o bem, que acho ser o nosso dever como seres humanos.